sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Vicente Huidobro: el doble de si mismo

Por Jeane Guimarães*

"Aquí yace el poeta Vicente Huidobro

Abrid la tumba
Al fondo de esta tumba se ve el mar."


Há sessenta anos “morria” o poeta chileno Vicente Huidobro (1893-1948) uma das figuras mais importantes da poesia de língua castelhana do século XX, fundador e teórico de uma das vanguardas literárias mais genuínas, o Criacionismo. Huidobro viveu grande parte de sua vida na Europa (entre a França e a Espanha), radicando-se no seu país somente após o fim da Segunda Guerra Mundial.

Esse ‘desgarramento cosmopolita’ é um aspecto muito importante na sua produção poética: a assimilação e a incorporação dos "ismos" europeus legaram certas influências ao seu Criacionismo, principalmente o Cubismo literário e o Futurismo. O esprit nouveau difundido por Apollinaire (1917) transformou-se em palavra de ordem dos "ismos" dos anos vinte.

O Criacionismo de Huidobro expressa radicalmente essa busca pelo novo, que, para o poeta, se alcançava com o "poema creado" - obsessão huidobriana. Seu lema era: "crear, he aquí el signo de nuestra época". O novo para o poeta chileno era muito mais que o diferente, o absurdo, o bizarro; era, como acreditava Baudelaire, o desconhecido - algo que só a poesia pode revelar. Assim como todo movimento vanguardista, o Criacionismo também postulava uma ruptura com o estabelecido, com a tradição. O próprio nome desta vanguarda já nos indica qual era o seu principal objetivo: criar.

A idéia de artista criador e não imitador da Natureza foi proclamada por Huidobro desde seu manifesto Non Serviam (Não te servirei) de 1914, no qual o poeta propunha uma ruptura com o vínculo referencial, buscando autonomia poética (Non serviam. No he de ser tu esclavo, madre Natura; seré tu amo... Yo tendré mis árboles que no serán como los tuyos, tendré mis montañas... tendré mi cielo y mis estrellas).

O título do manifesto expressa uma idéia clara de rompimento, de recusa à representação convencional da realidade. O poeta anuncia, portanto, o desejo de não mais imitar o mundo real ou refletir a ordem divina, como disse Huidobro: “El hombre sacude su esclavitud, se rebela contra la naturaleza como otrora Lucifer contra Dios”.

A partir deste momento, o poeta rebelde tornar-se-á o “pequeño Dios” da criação poética. Existe uma vontade inaugural que é uma constante na obra de Huidobro e que se revela explicitamente. Segundo Óscar Hahn, "Huidobro se propone ser 'el pequeño Dios', el hacedor de un cosmos verbal, pero al mismo tiempo quiere ser el primer habitador de ese planeta; ser, en suma, su creador, su colonizador y su profeta".

A poética huidobriana (o Criacionismo) tinha por meta fazer da poesia um signo autônomo. A criação de "hechos nuevos", como denominava Huidobro, consistia em tornar real o que não existe no mundo objetivo do poeta, ou seja, substituir a realidade real pela realidade da imagem verbal. Segundo o poeta e crítico Octavio Paz, “la realidad poética de la imagen no puede aspirar a la verdad. El poema no dice lo que es, sino lo que podría ser. Su reino no es el ser, sino el del imposible verosímil de Aristóteles”.

Na teoria criacionista, o poeta tem um papel ativo e não passivo na composição e engrenagem de seu poema, atuando racionalmente em sua criação. O poeta criacionista não espera mais por uma “musa inspiradora”, nem tampouco é aquele ser “possuído” como acreditava Platão(Cf.’Íon’).Os versos do famoso poema-programa Arte Poética sintetizam a concepção huidobriana do novo poeta - um criador, um Artista-Deus:

[...]
El vigor verdadero
Reside en la cabeza

Por qué cantáis la rosa, ¡oh, Poetas!
Hacedla florecer en el poema;
Sólo para nosotros
Viven todas las cosas bajo el Sol.
El poeta es un pequeño Dios.

O poema-livro Altazor o el viaje en paracaídas (1931) é o poema que melhor justifica toda a formulação teórica do Criacionismo; diríamos que a poética de Huidobro culmina com esta obra. Altazor é uma grande discussão sobre o ato de criação poética, a identidade do poeta, a fragilidade da palavra, a palavra perdida e, sobretudo, como dizer a nova Poesia, é uma Voz no universo. Nenhuma homenagem será melhor do que a (re)leitura da poesia de Huidobro, é como se ‘su tumba’ se abrisse em canto.

Porque mi voz es solo canto y sólo puede salir en canto
La cuna de mi lengua se meció en el vacío.
Anterior a los tiempos
Y guardará eternamente el ritmo primero
El ritmo que hace nacer los mundos

Referências Bibliográficas

HAHN, Oscar. “La voluntad inaugural” in HUIDOBRO, Vicente. Obra Poética (Edición crítica Cedomil Goic, coordinador). Barcelona: ALLCA XX, 2003.
HUIDOBRO, Vicente. Altazor/ Temblor de Cielo. Madrid: Ediciones Cátedra,2003.
___________. Poesía y Poética (1911-1948). Madrid: Alianza Editorial, 1996 (Antología comentada por René de Costa).

PAZ, Octavio. El arco y la lira. Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica, 1990 (Sección de Lengua y Estudios Literarios).

*Jeane Guimarães é mestre em Literatura pela Universidade Federal de Pernambuco, com trabalho de pesquisa sobre o poeta chileno Vicente Huidobro. Domina as Literaturas de Língua Espanhola, curso concluído no Centro de Artes e Comunicação da UFPE.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

A Casa Amarela de Van Gogh

Por Jeane Guimarães*


Em maio de 1888, Van Gogh aluga por 15 francos, ao mês, a parte direita de um prédio de dois andares: ali nascia a possibilidade de fundar a sonhada comunidade artística. Van Gogh manda pintar a casa da cor amarela que para ele era ‘ a mais importante e simbólica’. Com a ajuda de seu irmão Theo, que lhe enviou 300 francos, a mobiliou modestamente. Finalmente, muda-se para a “Casa Amarela”, em meados do mês de setembro.

Ali viveu uma curta sensação de felicidade oferecida pela sua casa. Contudo, os seus problemas de saúde, as dificuldades financeiras, o seu conturbado convívio com o companheiro, o pintor Gauguin , entres tantos outros motivos, acabam impedindo a realização do seu sonho. Com a saúde fragilizada e tendo constantes crises, Van Gogh se interna em sanatórios para cuidar de sua doença. Em julho de 1890, acaba morrendo num quarto da hospedaria Ravoux .

O seu quadro “ A Casa Amarela”, foi pintado em setembro de 1888, nele todas as casas foram pintadas de amarelo ‘como se estivessem à sua disposição’. Talvez, esta obra seja a mais representativa do sonho de vida e arte de Van Gogh: ela é a imagem de um estado de alma. O gênio holandês pintou a sua exaltação, o que era naquele momento erigido do seu íntimo. Metaforicamente, poderíamos dizer que “ a casa amarela” de Van Gogh habita em todos nós o desejo de realização."A minha casa aqui é pintada por fora de amarelo -manteiga e tem persianas em verde-forte; fica, rodeada de sol, numa praça , onde também há um parque verde com plátanos, aloendros , acácias. Por dentro é pintada de branco e o chão é de azulejos vermelhos. E por cima, o céu de azul luminoso. Lá dentro posso com efeito viver e respirar e pensar e pintar".

Vincent Van Gogh*





*Jeane Guimarães é mestre em Literatura pela Universidade Federal de Pernambuco, com trabalho de pesquisa sobre o poeta chileno Vicente Huidobro. Domina as Literaturas de Língua Espanhola, curso concluído no Centro de Artes e Comunicação da UFPE.