segunda-feira, 30 de junho de 2008




"Algo há em nós de apaixonado, de generoso e de sagrado, que excede as representações da inteligência: este excesso é que faz de nós seres humanos."



George Bataille

quinta-feira, 26 de junho de 2008

algumas lições

por
Eduardo Galeano
A dignidade da arte

Eu escrevo para os que não podem me ler. Os de baixo, os que esperam há séculos na fila da história, não sabem ler ou não tem com o quê. Quando chega o desânimo, me faz bem recordar uma lição de dignidade da arte que recebi há anos, num teatro de Assis, na Itália. Helena e eu tínhamos ido ver um espetáculo de pantomima, e não havia ninguém. Ela e eu éramos os únicos espectadores. Quando a luz se apagou, juntaram-se a nós o lanterninha e a mulher da bilheteria. E, no entanto, os atores, mais numerosos que o público, trabalharam naquela noite como se estivessem vivendo a glória de uma estréia com lotação esgotada. Fizeram sua tarefa entregando-se inteiros, com tudo, com alma e vida; e foi uma maravilha. Nossos aplausos ressoaram na solidão da sala. Nós aplaudimos até esfolar as mãos.

(O livro dos abraços)

Sobre o eu que vejo :"O corpo não é uma máquina como nos diz a ciência. Nem uma culpa como nos fez crer a religião. O corpo é uma festa". (idem)

sonoro


carinho no rosto
pétala por pétala

por palavra:

- vez
- tez
- voz
- nós.

melodia
dedilhada
num canto
da casa

solfejando
para mim

espanto?
não.

ouço
sinto
dou corda
e vibro

tocada por ti

vai dentro
teu som

sou teu
fininho
violão

eu tão passarinho,
passarão!

delicadeza no toque


há espaços que só bons amantes conquistam
silêncios e toques quase mudos. Veludo.
pausas nos encontros.
Corpos que guardam na ausência
a presença do outro
à flor da pele.

O ritmo intenso da vida
O mudo propósito do trabalho
Há os que ainda cumprem missões...

E acreditam no que fazem
Em realizar desejos e tê-los
Crêem naquilo que planejam

Há:

Fé no que fazem
Certeza de chegar em algum lugar

Depois repousam mansinho
onde uma brisa leve sopra no ouvido...
- Foi um suspiro!
(...)

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Quem sou?

por Rubem Alves
(Concerto para o corpo e alma)

Sei que eu sou muitos. Quem me ensinou isso foi um Demônio velho, o mesmo que ensinou psicologia a Jesus. Quando Jesus lhe perguntou "Qual o seu nome?", ele respoondeu, numa mistura de verdade gozação: "Meu nome é Legião porque somos." Coisa maluca: o "eu", singular na gramática, é plural na psicologia.



Eu sou muitos. Tem-se a impressão de que se trata da mesma pessoa porque o corpo é o mesmo. De fato o corpo é um. Mas os "eus" que moram nele são muitos.


Sabemos que são muitos por causa da música que cada um toca. A letra não importa. Pode até ser que a letra seja a mesma. O que faz a diferença é a música. Cada "eu" toca uma música diferente, com instrumento diferente: oboé, violino, tímpano, prato, trombone. Juntos poderiam formar uma orquestra. Não formam. Cada "eu" toca o que lhe dá na telha. Como no filme Ensaio de Orquestra. Esqueci-me do nome do diretor: terá sido o Fellini? Merece ser visto.


Por vezes os "eus" se odeiam. Muitos suicídios poderiam ser explicados como assassinatos: um "eu" não gosta da música do outro e o mata. Foi o caso de um primo meu. Quando tínhamos sete anos de idade e brincávamos de soldadinhos de chumbo, ele já estava fazendo um dicionário comparativo de quatro línguas: português, inglês, francês e alemão. Quando tirava 98 na prova ele batia com a mão na testa e dizia, arrasado: "Fracassei". O "eu" que batia na testa ero o "eu" que não suportava não ser perfeito. O "eu" que levava o tapa na testa era o eu que não havia conseguido tirar 100 na prova. Um dia o primeiro "eu" cansou de dar tapas na testa do segundo "eu". Adotou medida definitiva. Obrigou-o a lançar-se pela janela do 17o. andar.

Engenharia


Não alimente com pedras

Uma estrada de terra

Ou ainda que de barro

Se antes não passava carro

Desse modo, vai torná-la

Transitável!

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Sobre a chuva


Qual a semelhança entre o Recife e Atlântida?
Pelo futuro presente, duas cidades submersas

Por que é tão ifícil quando, enfim, a água surge ?
Veja! um passarinho a pular em suas asinhas molhadas
Com suas perninhas fininhas quer livrar-se do lixo nas calçadas
Carros e motos espirrando lama nessa gente, nas paradas
Homens, mulheres e crianças ao arrastar pés calçados e nus
pelas avenidas e ruas mergulhadas na água misturada ao esgoto
Nada nadinha disso seria assim num necessário num dia de leitura

Frágil ave que insiste nesse hino solitário
Pobre canto abafado por água de todos os lados
Não fosse esse hoje teu mundo de um Recife imundo
Serias um ser mitológico, gracioso e eterno, um Netuno!
Por que somente voa, por que não flutua nas águas claras ou escuras?

Que semelhança esse pássaro guarda, em sua miséria aguda
do peixe fosforescente habitante de vasto Universo marinho?

Nenhuma. Há sim toda diferença do mundo. Não há é qualquer semelhança. Nenhuma.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

O perfume e o etéreo na obra de Clarice

por Geórgia Alves
(no site da Aliança Francesa)





A busca pela “essência das coisas” começou com o fogo. E por observação e seqüência à fumaça. Em Clarice, foi através da água. O cheiro do mar “invadia e embriagava”. No conto Banhos de Mar ela arrisca, em palpite, “Oh, bem sei que não estou transmitindo o que significam como vida pura esses banhos em jejum”. Mas traduz com subseqüente suavidade de acaso o odor iodado e salgado do mar de Olinda. Desenha: a brisa que ia secando seus cabelos que também exalavam o que ficou ali do mar, deixando-os “duros de sal e iodo”. É simples sentir com que força esse cheiro a invadia ao confessar: “Eu às vezes lambia meu braço para sentir sua grossura”.








Tal força etérea oferece em palavras Clarice, que qual no banho eu leitor vou impregnando e em mim despertam idéias novas, emoções inéditas. Como quando em outro conto adverte que a expressão “rosas silvestres já faz aspirar o ar como se o mundo fosse uma rosa crua”. Meu grifo de escrita das sensações é Clarice. Porque foi capaz de contar para mim que uma grande amiga presenteia-a, de quando em quando, com elas que “têm um mistério dos mais estranhos e delicados”. E ainda explicar: “à medida que vão envelhecendo, vão perfumando mais. Quando estão à morte, já amarelando, o perfume fica forte e adocicado, e lembra as perfumadas noites de lua de Recife.” Clarice tornou nossas noites de um aroma raro para sempre. E isso jamais morrerá para nós. Nunca morrerá em mim.








Como as rosas silvestres, porque “quando finalmente morrem, quando estão mortas, mortas – aí então, como uma flor renascida do berço da terra, é que o perfume que se exala delas me embriaga.” Como o faz Clarice com suas palavras, insisto: etérea. E de tornar eternas as noites do Recife. Eternidade aos leitores de Clarice.Não, não morrem as rosas silvestres. Não morrerão jamais, Clarice. Por seres tu mesma dadas a elas, de presente. Por encontro.








Da última vez, eram rosas silvestres, e quando estas estavam morrendo e ficando mais perfumadas ainda, em epifania, nos ofereceu: “disse para meus filhos: Era assim que eu queria morrer: perfumando de amor. Morta de exalando a alma viva”. Tudo isso continua tão fluido e tão firme, como o perfume das rosas silvestres, em sua promessa. Está entre nós o seu perfume e o “líquido” de suas palavras estéreas. Eternas. Porque o perfume surgiu quando os homens queimavam ervas, e libertavam seus diferentes aromas. Dado isso, a palavra “perfume” vem do latim "per fumum", que significa "através da fumaça".




Assim as ervas e flores e rosas passaram a Antigüidade, a compor banhos aromáticos, perfumar o banho dos deuses, reis e rainhas egípcios. E se Cleópatra eternizou a arte da perfumaria e com seus encantos banhados em essências, seduziu Marco Antônio e Julio César, com a ajuda de óleos extraídos das flores da menta e do zimbro. Clarice impregnou outros Deuses e Deusas com seu modo de buscar essências, em palavras “aquece-las” e envolvê-las. Extraindo seu perfume. Como o cheiro sua literatura envolve e, então, seduz.





E é da Arábia que surge Avicena, o mais famoso médico da região que descobriu a destilação dos óleos essenciais das rosas, e assim criou a Água de Rosas. Clarice, do Recife, deu eternidade do perfume das rosas silvestres, mesmo “quando estão à morte” em seus óleos de vida. Alguns aromas surgidos no final do século 13 depois de Cristo, ficaram mais conhecidos, como a delicada lavanda, tornar-se-ia depois popular por sua “capacidade terapêutica”.

Porque há palavras em Clarice que salva. Hoje populares e conhecidas. Aqui, nas noites do Recife e em toda a Europa. Na Inglaterra, Itália e na França. No país onde desde a época Renascentista a perfumaria tornou-se uma arte. Também em Clarice, deixar-nos com o perfume e a essência de suas palavras nos faz estabelecer uma outra conexão com o mundo.








Como em água de toilette, feita para a rainha da Hungria, no século XIX.Dizem os especialistas que “mais do que revelar a personalidade de uma pessoa, o perfume influencia o estado de espírito de todos nós”. E que quando ultrapassam os limites das narinas vão ao encontro do nosso sistema límbico. Acessam de imediato a memória, os sentimentos e as emoções. Em tudo esse movimento se assemelha às palavras escolhidas por Clarice para falar em pitangas.

O gesto de roubá-las é tão eterno, pela presença de seus perfumes e cores como “cor-de-rosa-vivo” que só poderia haver depois dali, o desejo de possuí-las. “Eu queria poder pegar nela. Queria cheirá-la até sentir a vista escura de tanta tonteira de perfume”. Assim como quando uma mensagem aromática penetra invade o sistema analisado por especialistas: “provoca sensações de euforia, relaxamento, sedação ou estimulações neuroquímicas”. Mais que estimulação apenas neuroquímica, Clarice nos oferece o perdão da alma.








O que está além do sensorial. Oferece-nos o etéreo do ser. Cria conosco relação íntima e pessoal, da essência do ser. Da sua ontologia, remetendo às ligações conquistadas em fluxos de sensações desse sistema límbico, chamado de “cérebro das emoções”. Suas palavras, mais do que provocam os aromas ativando-os, são capazes de interferir em situações não apenas de tensão e nervosismo. Mas de contemplação e busca. Mesmo a eterna busca que suplanta o ser. Que ultrapassa a existência.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

A História do bairro de Casa Amarela

(site da Fundação Joaquim Nabuco)http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=16&pageCode=300&textCode=899&date=currentDate

Segundo o historiador Pereira da Costa, a mais antiga referência que se encontra sobre a origem da povoação do Arraial, antigo nome do local, é de 1630, quando o general Matias de Albuquerque levantou o forte real do Bom Jesus para proteger o "interior" de Pernambuco contra os holandeses.

Ao redor da fortaleza formou-se um povoado onde acampou todo o exército e a população de Olinda e do Recife que havia abandonado suas casas por ocasião da invasão holandesa.
Quadro de Van Gogh


Esse Arraial, o Velho do Bom Jesus (atual Sítio da Trindade), é o núcleo mais antigo de Casa Amarela.

Uma multidão de vendedores de mantimentos estabeleceu-se na localidade, mas uma enchente do Capibaribe, no final de 1631, causou grandes prejuízos aos comerciantes, inutilizando mercadorias e derrubando muitas casas.

Houve também vários ataques dos holandeses ao forte até que, em 1635, deu-se a sua rendição devido à falta de alimentação e de material bélico para combater o inimigo.
Depois da rendição, muitos dos moradores voltaram ao Arraial, restauraram as casas destruídas, construíram outras, surgindo assim a chamada Povoação do Arraial Velho. Essa povoação regular teve origem no final do século XVIII, com a extinção dos engenhos Monteiro e Casa Forte e a divisão de suas terras em diversos sítios.

Só muito depois a localidade passou a ser chamada de Casa Amarela. O nome se deve, segundo a tradição, a uma casa sempre pintada de amarelo que existia próximo ao terminal da estrada de ferro e que servia de referência na região. A casa pertencia a um português rico, o comendador Joaquim dos Santos Oliveira que, por estar tuberculoso, foi aconselhado pelos médicos como terapia a mudar-se para o Arraial, por conta da excelência do seu clima. Por milagre ou não, o comendador ficou curado e, então, mandou construir uma casa quadrada, a uns 300 metros do antigo Arraial do Bom Jesus, mandando pintá-la de ocre. Foi essa casa que ficou conhecida como Casa Amarela.

A ocupação dos morros da região começou no início do século XX, a partir do aluguel do chão feito por algumas famílias que eram grandes proprietárias de terras no local.

Casa Amarela já foi uma das localidades de maior densidade demográfica do Recife, porém, a partir de 1988, através da Lei municipal 14.452, que redefiniu as coordenadas geográficas e criou os atuais 94 bairros da cidade, o bairro perdeu as suas áreas de morro, com exceção do Alto Santa Isabel.

Foram desmembrados de Casa Amarela e transformados em bairros autônomos o Morro da Conceição, o Alto José Bonifácio e o Alto José do Pinho.

Casa Amarela tem hoje 1,85 quilômetro quadrado de área e fica situado na Zona Noroeste da cidade entre a Estrada do Encanamento e a Avenida Norte, vizinho aos bairros de Parnamirim, Casa Forte e Monteiro.

O bairro já possuiu dois cinemas o Rivoli e o Albatroz e uma feira livre bem maior que a de hoje, estendendo-se até a Estrada do Arraial.

A estrutura metálica do seu mercado público, um dos maiores e mais freqüentados da cidade, foi, inicialmente, montada na Av. Caxangá, sendo desmontada e remontada no largo da feira de Casa Amarela, na gestão do prefeito Francisco da Costa Maia (1928/1930) e inaugurado em 9 de novembro de 1930, com a presença do então interventor do Estado, Carlos de Lima Cavalcanti.

No pátio da feira livre já foram realizados grandes eventos políticos, principalmente na época das campanhas eleitorais.