segunda-feira, 26 de maio de 2008

à porta


Para mim?!
Sim.


Todas?
Ahã...


E se chover?
Não pense nisso,


E se eu chorar?
Melhor tentar.


Preciso perguntar: Eu lhe ofendo? assusto?
De jeito nenhum!


Que queres de mim?
Tuas horas vagas. Teu corpo na minha casa. Teu rosto em meus braços. Tuas idéias. E esse sorriso! sempre. Assim:


(sossegada!)

...


hum...

Isso: um.


.Fim.

ensaio







domingo, 25 de maio de 2008

FACTUAL... DISFUNÇÃO

Manoel de Barros
"Se diz que há na cabeça dos poetas um parafuso de menos
Sendo que o mais justo seria o de ter um parafuso trocado do que a menos.
A troca de parafusos provoca nos poetas uma certa disfunção lírica.
Nomearei abaixo 7 sintomas dessa disfunção lírica.
1- Aceitação da inércia para dar movimento às palavras.
2- Vocação para explorar os mistérios irracionais.
3- Percepção de contiguidades anômalas entre verbos e substantivos.
4- Gostar de fazer casamentos incestuosos entre palavras.
5- Amor por seres desimportantes tanto como pelas coisas desimportantes.
6- Mania de dar formato de canto às asperezas de uma pedra.
7- Mania de comparecer aos próprios desencontros.
Essas disfunções líricas acabam por dar mais importância aos passarinhos do que aos senadores.
"BARROS, Manoel de. Tratado geral das grandezas do ínfimo. Rio de Janeiro: Record, 2001.
Susana Vargas

Com meio sorriso

meio juízo


ele observa meus gestos


minhas pernas


ouve o assobio do outro


suas metas


e as próximas etapas


deste verso

(repara no tapete, na sujeira,
no mistério real da cafeteira)

... e conclui que quer participar


um pouco das palavras


no poema


esse meu breve hospício

particular

Prezado Pablo!


MANHÃ









AQUI está o pão, o vinho, a mesa, a morada:


o ofício do homem, a mulher e a vida:


a este lugar corria a paz vertiginosa,


por esta luz ardeu a comum queimadura.





Honra a tuas duas mãos que voam preparando


os brancos resultados do canto e a cozinha,


salve! a inteireza de teus pés corredores,


viva! a bailarina que baila com a escova.





Aqueles bruscos rios com águas e ameaças,


aquele atormentado pavilhão da espuma,


aqueles incendiários favos e recifes





são hoje este repouso de teu sangue no meu,


este leito estrelado e azul como a noite


esta simplicidade sem fim da ternura.








TARDE





DO MAR para as ruas corre a vaga névoa


como o bafo de um boi enterrado no frio,


e longas línguas de água se acumulam cobrindo


o mês que a nossas vidas prometeu ser celeste.





Adiantado outono, favo silvante de folhas,


quando sobre os povoados palpita teu estandarte


cantam mulheres loucas despindo os rios,


os cavalos relincham para a Patagônia.





Há uma trepadeira vespertina em teu rosto


que cresce silenciosa pelo amor transportada


até as ferraduras crepitantes do céu.





Me inclino sobre o fogo de teu corpo noturno


e não apenas teus seios amo mas o outono


que esparge pela névoa seu sangue ultramarino.





CEM SONETOS DE AMOR

sábado, 24 de maio de 2008

Pablo Neruda - TERCEIRA RESIDÊNCIA


























"A poesia acompanhou os agonizantes e estancou as dores, conduziu às vitórias, acompanhou os solitários, foi queimante como o fogo, leve e fresca como a neve, teve mãos, dedos e punhos, teve brotos como a primavera, teve olhos como a cidade de Granada, foi mais veloz do que os projécteis dirigidos, foi mais forte pelas fortalezas: deitou raízes no coração do homem."

Pablo Neruda



UM LIVRO EM CHAMAS
por José Eduardo Degrazia





"O papel usado fora fabricado com restos de roupas de soldados mortos e feridos, com cartazes e bandeiras inimigas. Conta Neruda nas suas memórias: "Mal meu livro ficou impresso e encadernado, precipitou-se a derrota da República". (NERUDA, Pablo. Confesso que vivi. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2003).


...





"Não só a guerra foi assunto da poesia de Neruda nesse momento, mas também o fustigar contra as ditaduras que infestavam o continente americano, como no poema Dura elegia, contra Getúlio Vargas, sobre Luís Carlos Prestes, que reverencia o trabalho infatigável de sua mãe para libertá-lo. São poemas que já não têm a carga vital de Espanha en el corazón, poemas da carne e do sangue do poeta, mas também são grandes obras em prol da liberdade dos povos, escritas ainda antes do congresso de Moscou de 1955 em que Kruschev desmistificou a figura de Stalin."





PARA COMEÇAR, pára sobre a rosa


pura e partida, pára sobre a origem


de céu e ar e terra, a vontade de um canto


com explosões, o desejo


de um vento imenso, de um metal que recolha


guerra e desnude o sangue.


Espanha, cristal de taça, não diadema,


sim machucada pedra, combatida ternura


de trigo, coro e animal ardendo.





Bombardeio


Maldição





Ananhã, hoje, por teus passos


um silêncio, um assombro de esperanças


como um canto maior: uma luz, uma lua,


lua gasta, lua que passa de mão em mão,


de campanário em campanário!


Mãe natal, punho


de aveia endurecida,


planeta


seco e sangrento dos heróis!





Quem?, pelos caminhos, e quem,


quem, quem, em sombra, em sangue, quem?


em faísca, quem,


quem? Cai


cinza, cai


ferro


e pedra e morte e pranto e chamas,


quem, quem, minha mãe, quem, onde?


Pátria sulcada, juro que em tuas cinzas


nascerás como flor de água perpétua,


juro que de tua boca em sede sairão ao ar


as pétalas do pão, a derramada


espiga inaugurada. Malditos sejam,


malditos, malditos que com acha e serpente


chegaram à tua arena terrestre, malditos


os que esperaram este dia para abrir a porta


da mansão para o mouro e o bandido:


conseguiste o quê? Trazei a lâmpada,


olhai o solo empapado, olhai o osso negro


comido pelas chamas, a vestimenta


da Espanha fuzilada.





Espanha pobre


por culpa dos ricos





(...)





Perguntareis: e onde estão os lilases?


E a metafisica coberta de papoulas?


E a chuva que continuamente golpeava


suas palavras penetrando-as


de buracos e pássaros?





Vou contar tudo o que passou comigo.





Eu vivia num bairro


de Madri, com os sinos,


com relógios, com árvores.





Via-se desde lá


o rosto seco de Castela


como um oceano de couro.





Minha casa era chamada


a casa das flores, porque por toda parte


estalavam gerânios: era


uma bela casa


com cachorros e crianças.


Lembras, Raul?


Lembras, Rafael?


Frederico, te lembras


debaixo da terra,


tu lembras da minha casa com balcões e onde


a luz de Junho afogava a flor na tua boca?


Irmão, irmão!





Tudo


eram grandes vozes, sal de mercadorias,


aglomerações de pão palpitante,


mercados do meu bairro de Argüelles com sua estátua,


como um tinteiro pálido entre as merluzas:


e o azeite chegava até as colheres,


um profundo bater


de pés e mãos enchia as avenidas,


metros, litros, essência


aguda de vida





(...)





"Neruda não estava sozinho na luta contra a barbárie nazista. As melhores vozes estavam com ele como bem podemos ver nos poemas Carta a Stalingrado e Telegrama de Moscou, de Rosa do povo, de Carlos Drummond de Andrade, ou os do hermético e cristão Murilo Mendes no seu Poesia e liberdade - para citar apenas dois brasileiros do mesmo período".





O homem, a luta e a eternidade
de Murilo Mendes



Adivinho nos planos da consciência


dois arcanjos lutando com esferas e pensamentos


mundo de planetas em fogo


vertigem desequilíbrio de forças,


matéria em convulsão ardendo pra se definir.





Ó alma que não conhece todas as suas possibilidades,


o mundo ainda é pequeno pra te encher.


Abala as colunas da realidade,


desperta os ritmos que estão dormindo.





À guerra!





Olha os arcanjos se esfacelando!


Um dia a morte devolverá meu corpo,


minha cabeça devolverá meus pensamentos ruins


meus olhos verão a luz da perfeição


e não haverá mais tempo.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Questo finale!


Há outras fábulas no livro de Da Vinci. Fico - para o fim - com a minha preferida entre todas do livro: A COTOVIA E OUTRAS FÁBULAS DE LEONARDO DA VINCI

Editora: DIMENSÃO - Belo Horizonte - (MG)


A LEOA

(Leonardo Da Vinci)


A leoa amamentava os filhotes quando os caçadores se aproximaram, com lanças e espadas, para atacá-la.

Antes mesmo de vê-los, o animal farejou-lhes a presença e compreendeu que corria um grande perigo. Mas nada mais podia fazer, pois eles acabavam de surgir diante dela com suas ameaçadoras armas.

Se seguisse o instinto, a leoa certamente teria fugido a toda velocidade. Porém, a necessidade de proteger seus filhos falou ainda mais alto e o animal percebeu que não poderia abandoná-los.

Assim, apesar do medo que paralisava seu coração, reunindo toda a coragem, fechou bem os olhos e investiu na direção dos inimigos.

Não fosse tamanha bravura e estaria mesmo perdida.

O CROCODILO E O MANGUSTO


Depois de matar um homem que dormia à sombra de uma palmeira, um crocodilo pôs-se a chorar sentidamente.

- Veja só que hipócrita! comentou o mangusto com seu filho, que assitia à cena. Depois de fingir esse arrependimento todo, fique certo de que o crocodilo irá comer a vítima.

E, realmente, daí a pouco, o réptil saboreava sua presa sem nenhum remorso.

Em seguida, satisfeito, pegou no sono ali mesmo. E, como era mesmo um bicho surpreendente, não se esqueceu de deixar a boca bem aberta para que certo passarinho, de quem era amigo, pudesse entrar e bicar entre seus dentes as sobras daquela refeição.

por Leonardo Da Vinci

O AVARENTO por Leonardo Da Vinci


- Por que você é tão magro? perguntou, certa vez, uma linda joaninha a um sapo que a todo momento abria sua enorme boca e engolia um bocado de terra.

- Ora, respondeu o outro, proque vivo faminto!
- Então não entendo... disse o inseto. Se tem fome, por que só come terra?
- Ah, faço isso porque um dia, quem sabe, tudo pode acabar, até mesmo a terra.

Fábulas de Leonardo Da Vinci

O TESTAMENTO DA ÁGUIA

Houve há muito tempo uma grande águia que vivia solitária no alto de uma montanha. Mais abaixo, moravam seus filhos. Certo dia, sentindo que a morte estava próxima, chamou-os com um poderoso grito e, assim que os viu reunidos, começou a falar-lhes:

- Procurei criá-los de modo que pudessem enfrentar o sol e, com isso, voar mais alto que qualquer outra ave. Os que não conseguiam suportar a luz e o calor, deixei morrer à míngua. Portanto, vocês são tão fortes que nenhum animal se atreverá a atacar seus ninhos. Porém, assim como serão temidos e respeitados, devem igualmente respeitá-los e deixar que comam os restos de suas caças.

- Sinto que o momento de minha morte está bem próximo, continuou a dizer-lhes. Mas não quero esperá-lo aqui no meu ninho, vou em direção ao sol e chegar o mais próximo possível de seu calor, até que os raios queimem minhas velhas asas. Depois disso, cairei de volta na terra e meu corpo mergulhará nas águas. No entanto, como esse é o destino das águias, voltarei à tona pronta para iniciar uma outra vida.

Tal como dissera em seu testamento, a águia alçou vôo e majestosamente foi contornando a montanha até que, num súbito impulso, subiu rumo ao sol para que este, queimando-a, desse-lhe, enfim, o merecido descanso.







O PELICANO

Aproveitando que o pelicano saíra para buscar comida, uma cobra esgueirou-se entre os galhos da árvore e se aproximou do ninho. Ali, de pura maldade, pois não pretendia comê-los, foi matando cada um dos filhotes com o veneno de suas mordidas.


Ao voltar e deparar-se com tamanha crueldade, o pelicano feicou tão desesperado que todos os animais da floresta escutaram seus gritos e entristeceram-se com sua grande dor. Todos, menos a serpente, que ali ficara à espreita, divertindo-se com o sofrimento do pássaro.

- Não tem sentido viver sem meus filhos! Prefiro morrer também!...

E, passando da palavra à ação, começou a bicar em desepero o próprio peito que logo se abriu numa ferida.

O sangue jorrou sobre os corpos dos filhotes e, talvez porque impregnado de seu amor, devolveu a vida às pequenas aves. O pelicano pôde, então, morrer feliz.

A SERPENTE E OS PÁSSAROS

Aquele bando de pássaros tinha começado a diminuir misteriosamente. Iam desaparecendo um a um, sem que se percebesse como.

Até o dia em que o líder do grupo resolveu deslindar o mistério e, para tanto, ao invés de voar à frente dos demais, colocou-se na última fileira - assim podia ver todos os outros pássaros.

Naquele dia, como de costume, tomaram o rumo de uma floresta. Acontece que, ao passarem por certo morro, o bando dividiu-se repentinamente em duas colunas, como se uma ventania os separasse. Logo em seguida, quase todos voltaram à formação anterior, exceto dois pássaros muito jovens, que mudaram de rota.
A essa altura, o líder finalmente viu de onde partia a poderosa força que atríara seus companheiros naquela direção: uma enorme serpente, semi-oculta pelo mato. Saendo dos hábitos do bando, ela se escondia todas as manhãs ali, esperando-o passar. Nesse momento, abria sua bocarra e, aspirando o ar, tentava sugá-los, conseguindo capturar justamente os mais fracos e mais leves.

Não contava a serpente, porém, com a astúcia do pássaro-líder que, daquele dia em diante, desviou o curso do bando, obrigando-a a procurar outra refeição matinal.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

FELICIDADE X TRISTEZA

Qual será, dentre todos os animais, o mais feliz?


Na tentativa de responder a essa pergunta, procuraram certo dia um camponês de idade avançada que, possuindo tanta experiência, com certeza saberia a resposta.

O homem nem pestanejou:

- Ora, é o galo, sem dúvida. Pois o galo, mal amanhece, já desperta todo alegre e começa a cantar. Depois, passa o dia correndo, pulando, brincando e cantando sempre. Todos os que estão em volta dele, no terreiro, só podem sentir também alegria. Não existe mesmo outro bicho mais feliz.

Ao mesmo homem resolveram indagar, então, qual seria o mais triste dentre os animais.

O velho camponês respondeu logo:

- O corvo é o animal mais triste. Ele é a própria imagem da tristeza. E explicou por quê.

- Quando os ovos se abrem e os filhotes nascem, ele, ao invés de se alegrar, fica inconsolável e vai embora. Mas parte para uma árvore próxima do ninho e ali continua se lamentando. Só quando vê surgirem as primeiras penas nos filhotes é que ele volta. Em breve, estará sozinho. É posssível ser mais triste?




(p.s.: não há mesmo nada mais triste e inconsolável que ver um corvo recém-chegado ao novo ninho, chorar de desespero e angústia nas palhinhas de onde brotaria o Amor recém-nascido)

O PAVÃO


Certa vez, numa fazenda, o dono precisou fazer uma pequena viagem e fechou a porta do terreiro, deixando os animais presos.


Não se sabe por que, o fazendeiro não voltou imediatamente, como pretendia, e assim os bichos começaram a padecer de fome e sede.


Nem mesmo o galo animava-se a cantar. Prudentemente, ele e os outros animais foram abrigar-se à sombra de uma árvore e ali ficaram imóveis, poupando suas energias.


Todos, menos o pavão. A vontade de exibir sua belíssima cauda colorida - o orgulho dos pavões - era maior que a prudência. Assim, meio trôpego de fraqueza, a ave ergueu-se, abriu o majestoso leque e começou a desfilar par lá e pra cá.


Intrigado, um pintinho quis saber da mãe por que o pavão fazia aquilo e a galinha lhe respondeu:


- Porque seu mal é a vaidade e o vaidoso só perde esse defeito morrendo.

O PINTASSILGO por Leonardo Da Vinci


Mamãe-pintassilgo saíra do ninho para buscar comida e, ao voltar, teve a ingrata surpresa de encontrá-lo vazio.


Onde andariam seus filhotes? devia estar ela pensando, enquanto, cheia de angústia, voava por toda a floresta aos gritos, procurando-os.


E assim continuou ela, noite e dia, de árvore em árvore, de ninho em ninho, tentando em vão encontrá-los. Até que finalmente, certo dia, um pássaro informou-lhe:


- Parece que vi seus filhotes na casa do fazendeiro.


Com novas esperanças, o pintassilgo voou prontamente até a fazenda e reiniciou a busca. No telhado, não encontrou ninguém. E muito menos no pátio. Já começava a desanimar quando deu com uma gaiola pendurada a uma janela e, dentro dela, seus filhotes presos.


Assim que a reconheceram, puseram-se a piar ansiosamente, mas, por mais que usasse o bico e as patas, o pequeno pássaro não teve forças para partir as grades. Com um grito de desespero o pintassilgo partiu de volta para a floresta.


No dia seguinte, lá estava a mãe-pintassilgo de volta. Agarrou-se às grades da gaiola e contemplou os filhotes com o peito pesado de tristeza. Viera alimentá-los pela última vez com as ervas que trazia no bico e que ia distribuindo a cada um.


Era, na realidade, uma planta venenosa: sabendo o valor da liberdade, o seu coração materno preferiu , para os filhos, a morte.

terça-feira, 20 de maio de 2008

OS PÁSSAROS E SEU INSTINTO


Havia uma vez um cipreste e uma oliveira, plantados no mesmo jardim. E havia também, em cada uma dessas árvores, um ninho cheio de ovos.


Certo dia, o dono do ninho do cipreste voou até o vizinho, na oliveira, e roubou um ovo, levando-o para chocar junto com os seus.


Não demorou muito e nasceram as duas ninhadas. Os filhotes de ambas cresceram e cobriram-se de penas. Era, então, chegada a hora do primeiro vôo.


Do ninho da oliveira, os passarinhos foram um a um se jogando no espaço, exercitando as asas e, após um breve passeio pelo jardim, voltaram satisfeitos para casa.


O mesmo aconteceu com os filhotes que viviam no cipreste: saltaram do ninho e logo estavam voando. Só que nem todos voltaram para sua própria casa. O passarinho que nascera do ovo roubado, seguindo tão somente o instinto, voou na direção da oliveira, onde, afinal, morava sua verdadeira família.

A ANDORINHA


Passado o inverno, as andorinhas costumam voltar para suas casas. Certa andorinha, especialmnete feliz com a chegada da primavera, reencontrou seu velho ninho e começou a arrumá-lo, limpá-lo, prepará-lo, enfim, para a próxima ninhada.


No momento devido, pôs os ovos, chocou-os e em breve estava cercada de filhotes. Como todos os pássaros, tinha agora que cuidar da sua ninhada, indo e voltando ao ninho, com alimentos.


Enquanto ela trabalhava incansavelmente, seu companheiro voava sem parar, mas nunca a auxiliava em nenhuma daquelas tarefas.


Assim é que, ao vê-lo voar incessantemente, noite e dia, sem repouso, alguém resolveu perguntar-lhe a razão de tanta inquietude. E a andorinha apenas respondeu:


- Ora, é que eu não gosto de trabalhar...

domingo, 18 de maio de 2008

A COTOVIA


A virtude ignora o mal e só tem amor pelas coisas dignas e nobres. Como um belo pássaro que escolhe para viver a árvore mais frondosa, assim o coração puro oferece abrigo apenas ao que é honrado.

Eis a seguir uma história que ilustra bem essas palavras.

Havia um ermitão que tinha por única companheira uma cotovia. E, por ser esse hmem um sábio, foi certa vez procurado pelos criados de um nobre, que se encontrava muito mal, já sem esperanças de continuar vivendo.

O eremita atendeu prontamente ao chamado, seguido de perto pela fiel cotovia.

No quarto do enfermo, o clima era de consternação: os quatro médicos ali presentes acabavam de concluir que nada mais restava fazer pelo pobre homem.

Porém, o velho, que acabara de chegar, parado à porta do aposento, observava atentamente sua cotovia, que pousara no peitoril da janela e tinha agora os olhos fixos no doente. Vendo isso, o ermitão finalmente rompeu o silênci, declarando:

- Ele não morrerá.

Espantadíssimos, os doutores não compreendiam como um homem simples como aquele ousava fazer tal prognóstico. Mas a verdade é que, logo em seguida, o enfermo sorriu para o eremita e começou a se recuperar a olhos vistos.

Uma vez curado, o nobre decidiu, passado algum tempo, fazer uma visita ao ermitão, para agradecer-lhe como devia.

Porem o velho não aceitou o agradecimento, dizendo:

- Quem o curou, meu senhor, não fui eu e sim a minha cotovia. Esse pássaro tem uma sensibilidade especial e, quando o colocamos próximo a um doente, ele nos indica quais são suas posssiblidades de vida. Se a cotovia olhar na direção do enfermo, este certamente irá sobreviver. Se, ao contrário, voltar-lhe a cabeça, ele morrerá. A verdade é que com seu olhar esta ave dá início à cura.

Como a cotovia, ou como a luz, que se torna tanto mais intensa quanto maior é a escuridão, também o Amor verdadeiro prefere manifestar-se nos momentos difíceis.


Leonardo Da Vinci

sábado, 17 de maio de 2008

O CISNE


A morte, para a maioria dos seres, chega com tristeza e dor. Para os cisnes, porém, é um momento de pura beleza e emoção.


Quando sentiu aproximar-se a sua hora, o cisne não precisou mais que se mirar nas águas tranqüilas do lago. Esse espelho lhe contava que sua plumagem continuava tão impecavelmente branca como sempre e que, com o passar do tempo, nada perdera da suave elegância. Se permanecia o mesmo, como explicar, então, o estranho frio e tremor que sentia, se não havia ainda chegado o inverno? Esse inexplicável cansaço é que lhe dava a certeza do fim.


Mais uma vez, o cisne deslizou para a sombra de um salgueiro, onde costumava abrigar-se nas horas de sol forte. Entretanto, era a hora do crepúsculo e as águas do lago iam passando da cor de sangue ao lilás.


A noite quase chegara quando o cisne começou a cantar. Jamais seu canto fora tão cheio de amor à vida e, ao mesmo tempo, de uma tão doce melancolia. Inicialmente claro e alto, o som de sua voz foi-se arrefecendo junto com a luz, até desaparecerem ambos por completo.


Todos os animais das redondezas conheciam aquele sinal:


- É o cisne que está morrendo, murmuraram de dentro da terra, das águas e das matas, cheios de agradecida emoção.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

AS GARÇAS


Apesar de ser um bom monarca, aquele rei - como, aliás, todos os poderosos - possuía incontáveis inimigos. Por sorte e em compensação tinha também súditos de uma lealdade a toda prova. Por exemplo, as garças. Sim, elas lhe eram tão fiéis que andavam preocupadas ante a possibilidade de algum ataque noturno ao castelo.

Quer dizer que aquelas frágeis aves pretendiam proteger Sua Majestade melhor que a própria guarda real?

- O problema é que as sentinelas dormem, quando deveriam estar alerta, confabulam as garças entre si.
- Também não podemos confiar nos cachorros, lembra uma outra, eles estão sempre cansados, já que vivem caçando...
- Portanto, nós é que temos que velar pelo sono de nosso rei, arremata uma terceira garça.

Corajosas, as aves dividiram-se em destacamentos, cada qual incumpido de vigiar um setor do palácio. Assim, enquanto um grupo se espalhou pelos campos em redor, outro postou-se nos portões principais e um último ficou de atalaia dentro dos próprios aposentos do rei. Decidiram, além disso, que se revezariam em turnos, para maior segurança.

Chegaria, porém, o momento em que até esses fiéis animais sentiriam sono. E quem se lembrou dessa possibilidade foi uma sábia garça que tratou logo de dividir suas preocupações com as companheiras. Depois de refletirem bastante, ocorreu à mais velha o seguinte estratagema:

- Enquanto ficarmos paradas, seguraremos uma pedra com o pé que estiver levantado. Se uma de nós adormecer, deixará a pedra cair e logo será despertada pelo barulho.

A precaução, embora cheia de sabedoria, parece ter sido desnecessária. Ainda hoje, as garças continuam em vigília por seu rei e dizem que até agora nunca se ouviu o ruído de uma pedra rolando pelo chão...

quarta-feira, 14 de maio de 2008

A LAGARTA por Leonardo Da Vinci

Triste o destino das lagartas: enquanto os demais insetos esvoaçam, saltitam, correm e até cantam ao seu redor, elas têm que se contentar com uma silenciosa imobilidade...

Mas aquela lagarta parada ali, sobre uma folha, não parece incomodar-se com tamanha injustiça da Natureza. Ao contrário, muito conformada com seu destino, ela inicia lenta e ondulante marcha até uma outra folha, aonde chegará tempos depois, cansada como se tivesse viajado quilômetros!

Parece saber também o ofício que lhe está destinado: tecer fios finíssimos e com eles construir, em torno do próprio corpo, um abrigo. Assim, a lagarta põe-se a trabalhar sem nenhuma pena de si mesma.

O tempo passa e eis que o casulo está pronto. Dentro dele, mais imobilidade e mais silêncio do que nunca em toda a sua demorada vida de lagarta. E ela pensa:

- Que irá acontecer agora?

A voz do institnto, então, segreda-lhe que deve apenas esperar e, coisa que não é muito difícil para uma lagarta, ter paciência. Entrega-se, pois, a um profundo sono sem sonhos.

Ao despertar, descobre que se transformara em outro inseto. Despe devagar o seu roupão de seda e, como se houvesse treinado a vida inteira para isso, sobre aos céus movendo com graça as asas leves e coloridas como delicados mosaicos.

Gratidão à Rosinha Campos e Diana Moura

Em encontro gerado pela altíssima voltagem da energia Diana Moura, com pessoas muito muito afinadas e queridas surgiu o assunto "atualização de blogs". Ela e Rosinha promoveram, com tanto afeto à esta casa amarela, uma alegria semelhante ao repouso de uma suave noite de verdadeiro sono em lençóis de linho e algodão puro: presenteou-nos com o livro: "A cotovia e outras fábulas de Leonardo Da Vinci". Para retribuir tamanho carinho, a partir de hoje, postarei aqui uma a uma. Depois do breve histórico de inspiradíssimo autor, presente na última página do livro da Editora Dimensão, de Belo Horizonte, Minas Gerais.

Leonardo da Vinci, autor de fábulas? A maior parte dos leitores brasileiros estranhará a associação entre o artista e pensador italiano e o tipo de narração que, alegoricamente, encerra um ensinamento ético, político ou literário.

O Leonardo que conhecemos é, em primeiro lugar, o pintor renascentista, criador de obras-primas com oa Mona Lisa, a última Ceia, ou a Virgem dos Rochedos. As fábulas foram escritas por Esopo, Fedro ou La Fontaine, assim pensamos. Mas, na verdade, Leonardo, como homem do Renascimento, foi bem mais que um gênio da pintura e, entre outros escritos, assinou um grande número de fábulas.

Se seus quadros são imediatamente reconhecidos em nossa época, ou pelo menos os mais celebrados, é menos notória sua atividade como arquiteto e engenheiro militar. Pois o artista fiorentino também projetou a catedral de Milão e realizou estudos hidráulicos sobre os canais da cidade lombarda. De volta a Florença, desenvolveu estudos para o desvio do rio Arno e, mais tarde, em Roma, aprofundou pesquisas de óptica e matemática. A partir do vôo dos pássaros, determinou princípios para a construção de um aparelho mais pesado que o ar e capaz de voar, aproveitando a força dos ventos. Deixou esboços de um helicóptero e de um pára-quedas. E ainda tinha tempo para estudar anatomia e ser um músico que dominava a lira, instrumento de largo uso no seu tempo.

O oriente seria o berço da fábula, transposta para a Grécia, já antes de Esopo, autor do século V a.C. A fábula, para Taine, teria três momentos: uma fase de gênero sentencioso, movido pelo objetivo moral, correspondendo a Esopo; uma segunda fase, desenvolvida durante a Idade Média, quando se torna uma narrativa mais ingênua, a partir das inovações do latino Fedro, mostrando a posição do autor contra as revoltas e o crime; no século XVIII, firma-se como categoria poética, com La Fontaine, que a vê como uma pintura onde cada um de nós pode encontrar seu próprio retrato.

As fábulas de Leonardo, trazidas até nós pelo texto de Ângela Leite de Souza e pelas belas ilustrações de Rui de Oliveira, são anteriores às de La Fontaine e estariam próximas da tradição medieval. No entanto, não poderíamos chamá-las de ingênuas. Têm um componente bastante moderno ao não evidenciar tanto a moralidade. O caráter didático da fábula, que mesmo La Fontaine porá em relevo através de narrações jocosas, está mais velado em Leonardo da Vinci. Por meio de suas breves histórias, vemos sobretudo o humanista, observando a natureza e os animais darem ao homem a grande lição da vida.

Lino de Albergaria

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Uma flor

Conecto-me com minha doce e calma energia. E terna...